Conto: Conexões

07:33

Um conto escrito por Marii Valadão

Dizem que algumas pessoas estão conectadas, aquela coisa de destino, sabe?! Alguns dizem que já temos nossas jornadas moldadas. Outros simplesmente não creem em destino. Eu prefiro pensar que os caminhos que escolhemos tem impacto sobre as nossas vidas e também sobre as vidas das outras pessoas e é isso que me motiva a buscar melhores soluções e a ser uma pessoa melhor.
Numa noite após um desentendimento familiar, coisa que sempre acontece, saí da minha casa para toma um "ar", para deixar toda raiva e tristeza sumirem junto ao vento que batia em meu rosto. E solitária eu fui, caminhando pelas ruas desertas de minha cidade, a violência hoje em dia é tão comum, que vivemos como ratos, nos escondendo em nossas casas em pleno anoitecer.
Para o meu alivio as ruas estavam bem iluminadas, se alguém aparecesse à metros de distância de mim, eu com certeza veria e poderia fugir.
Enquanto andava perdida em meus pensamentos, avistei uma jovem sentada no ponto de ônibus, suas vestes eram brancas com detalhes vermelhos, e a jovem parecia tão distante e perdida quanto eu , não hesitei em me aproximar.
- Oi, você está bem? Você não deveria estar neste ponto sozinha a essa hora. - A jovem me olhou.
- Estou... Você também não deveria estar andando sozinha por aqui.- Retrucou de um jeito tímido, desviando o olhar.
- Você me pegou... Sou Alex e você? - Estendi a mão.
- Me chamo Julie - Ela parou e pensou - Talvez eu não devesse falar meu nome para uma estranha assim.
- Não vou te machucar, Julie. - Sentei-me ao seu lado - Para onde está indo?
- Eu não sei. - Falou normalmente, achei estranho.
- Como não sabe?
- Vou pegar o primeiro ônibus que aparecer e vou embora.
- Você não é daqui? Está perdida?
- Não estou perdida, sou daqui!
- Então para que isso? Está fugindo de casa?
- Você não vai tentar me levar para casa né?! - Falou de um jeito estranho.
- Vou... - Me arrependi de falar antes de terminar a frase.
- Pois então apre! Eu não vou voltar! Eu não quero voltar lá nunca mais! - Me assuste com os gritos que ela deu.
- Hey, calma! Me conta o que está acontecendo?
- Eu não gosto de viver lá... - Seus olhos estavam cheios de lágrimas.
- Vamos dar uma volta? Se quiser podemos ir para a minha casa também, só não tome medidas drásticas.
- Tá bem.
Andamos por todo o quarteirão, em silêncio, preferi deixa-lá refletir um pouco sobre o que estava acontecendo, na esperança da garota se acalmar e chegar a uma conclusão menos drástica.
Fiquei observando as coisas em volta, distraída, até que olhei para Julie e reparei no tamanho de sua beleza. Seus cabelos longos e loiros davam contraste perfeito com os olhos azuis e sua pele branca e para completar, o jeito meigo da garota podendo encantar qualquer pessoa contra a própria vontade, sem ela perceber. Ela parece ser tão bonita... Tão... Perfeita!?
- Alex?
- Oi?
- O passeio, está legal, mas eu quero voltar para o ponto de ônibus... Se não for incomodo.
- Pensa melhor, talvez essa não seja a melhor opção.
- Eu já pensei e é sim! - Disse decidida.
- Então tá, mas vamos fazer o seguinte? Passa a noite na minha casa e amanhã você pega o ônibus, pode ser? Porque a noite tudo fica mais perigoso...
- Eu mal te conheço, como posso confiar em você?
- Eu sou a única pessoa na rua com você, se fosse para tentar fazer algo, eu já teria feito...
- É verdade...
- Me acompanha?
- Uhum...
Levei a menina para a minha casa e durante o caminho ficamos conversando sobre algumas coisas que ela gostava de fazer e descobri que Juilie era um pouco solitária, seu pai não deixava a garota sair de casa, o maior percurso que ela já fez sozinha foi hoje, indo até o ponto de ônibus, além disso, Julie nunca havia brincado na rua quando criança, ela disse que ficava da janela olhando as outras crianças brincando na rua, uma correndo atrás da outra, jogando bola, soltando pipa, entre outras brincadeiras que se possa imaginar.
Ao chegar em minha casa avisei a minha mãe que Julie ficaria conosco devido a alguns problemas e me retirei antes de ouvir sua resposta. Levei Julie para o meu quarto, onde ela viu pela primeira vez um vídeo game, e ficou muito empolgada.
- Posso jogar? - Me perguntou sorrindo.
- Claro.
 Liguei o vídeo game para a garota e ensinei ela a jogar.
- Por que seu pai nunca te deixou brincar na rua e nunca te deu um desses?
- Ele dizia que eu não precisava dessas coisas, que eu só precisava dele... - Achei estranho.
Julie se divertia jogando e eu me divertia junto, a felicidade dela era contagiante, parecia uma criança que acaba de ganhar seu presente de natal.
O tempo passou e logo Julie ficou cansada e pediu para dormir. Atendi seu pedido, emprestei um pijama composto por um short e uma blusa, que por sinal, ficou lindo nela.
Apesar dela insistir para que eu durma na cama, arrumei a minha cama para ela. Com tudo pronto nos deitamos, ela na cama e eu no chão, perto da cama.
- Boa noite.
- Boa noite, Alex. - Respondeu.
Alguns minutos depois.
- Alex?
-Diga.
- É isso que chama de amizade? É assim que é ter amigos?
Confesso que me senti mal com a pergunta, naquele momento ficou claro que ela nunca teve alguém para conversas, sair e até mesmo confiar.
- Sim...
- Isso é bom! Obrigada por me mostrar isso.
- Não há de quê.
Fiquei pensando nessas palavras até cair no sono.
No dia seguinte, levantei e a cama estava vazia, olhei em volta e nada, desci as escadas desesperada gritando seu nome.
- Eu tô aqui! - Disse ela, provavelmente da cozinha, fui até lá.
- Achei que tivesse ido embora.
- Eu não iria embora sem me despedir de você... Se arruma para o café?
Obedeci, me arrumei e voltei para a cozinha. Julie tinha ajudado minha mãe a fazer o café da manhã e as duas tinham se dado muito bem. Durante o café minha mãe contava várias histórias sobre o trabalho dela, infância e a Julie ria e interagia, parecia que as duas se conheciam à séculos. Durante uma das histórias escutamos alguém bater na porta, minha mãe rapidamente levantou e se dirigiu até a porta, enquanto eu e Julie continuamos lá, comendo.
- Julie, o seu pai está na porta. - Disse minha mãe voltando.
O sorriso da Julie havia desaparecido e dado lugar a uma feição triste, assutada...
- Você está bem? -  Perguntei preocupada.
- Não deixa ele me levar, por favor. - Disse com uma voz chorosa e lágrimas nos olhos.
- Mãe, não deixa ela ir! - Avisei.
- Mas eu não posso fazer nada, ele é o pai dela.
Ficamos olhando uma para a outra sem saber o que fazer, quando de repente um homem alto,branco, vestindo um terno apareceu no cômodo procurando por Julie.
- Minha filha, você não sabe o quão preocupado eu fiquei - Disse o homem se aproximando da garota para abraça-lá.
Julie continuava parada, chorando, sem mover um músculo para retribuir o abraço do homem, e ele continuou.
- Meu amor, você me deixou preocupado, por que saiu daquele jeito? - Ele falava, mas não havia nenhuma emoção na voz, nem no rosto, sem dúvida um péssimo ator.
- Julie, você está bem? - Perguntei e ela não me respondeu.
- Claro que está! Nós vamos para casa agora - Disse o suposto pai.
- Mas ela não quer ir! - Gritei.
O homem ignorou e puxou a garota, e eu o segurei.
- Para você não vai leva-lá! - Falei.
- Você não manda nela, eu mando! - Gritou - Sai da minha frente! - O homem me empurrou.
Tentei impedir e a confusão começou, ele puxou Julie como se fosse um objeto e eu o empurrei na tentativa de ajudar ela.
- Gente, para! - Gritou Julie.
Todos pararam.
- Pai eu vou com você, mas deixa eu me despedir da Alex antes? - Ele deixou e ela me puxou para um canto.
- Você não pode ir com ele! - Falei.
- Não tem outro jeito. Olha Alex, eu gostaria de te agradecer... Em uma única noite você fez eu me sentir viva, me fez feliz, me mostrou como é ser querida.... Eu nunca vou poder retribuir isso para você, me desculpa. - A garota chorou e me abraçou .
- Não precisa agradecer, só saiba que pode contar comigo para tudo. - Nos afastamos.- Você sabe onde me achar. Volta quando puder, ficarei aqui, esperando.
- Tenho que ir. - Disse e desceu,
Observei Julie caminhar até a porta, quando ela se virou, acenou para mim, mandou um beijo, sorriu e saiu. Naquele momento senti um vazio enorme, mas ignorei e continuei a olhar a garota entrando no carro e sumir na esquina.
Após messes sem vê-la, sem ter notícias sobre ela, liguei a televisão na tentativa de me distrair, e foi quando soube que eu nunca mai veria a Julie na vida.
Julie havia sido assinada de forma brutal, o suspeito? Seu pai, aquele homem que entrou me minha casa e tirou Julie daqui, o homem que a privou de ter infância, que a privou de ter amigos, que a privou de ter uma vida...
Hoje, faz 20 anos que Julie saiu pela porta da minha casa, e não há um dia que eu não pense nela, naquele sorriso e em como as coisas poderiam ter sido diferentes.
Será que se eu não tivesse saído para caminhar naquele dia, ela estaria viva? Será que se eu não tivesse parado de falar com ela naquele ponto, ela estaria viva? Será que se eu tivesse deixado ela pegar aquele ônibus, ela estaria viva? Ou será que o destino dela já estava selado? Isso eu nunca irei saber, só sei que mal posso esperar para reencontra-lá.



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48 comentários

  1. MEu Deus, nunca li um conto tão lindo. Me prendeu a leitura, que delicia de ler. Apaixonante...

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  2. Nossa que drama envolvente, te envolve em cada momento, e os si no final, aquela sensação que todos carregamos, se poderia ser diferente.

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  3. Ola!
    Primeiramente você escreve muito bem!
    Poxa vida que conto triste, fiquei ressentida pela morte dela, e pela sensação de impotência da personagem!
    É engraçado mas nesse universo de possibilidades seu conto me lembrou muito o filme Mr Nobody!

    Beijos e parabéns pelo conto!

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    1. Eu não conheço esse filme, mas agora estou super curiosa para conhecer! Obrigada Amanda *-*

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    2. Imagina!
      É com o Jared Leto, é bem louco hehe!

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  4. Que linda história, quase chorava no final. muito emocionante. Parabéns pela tua criatividade e escrita, continue sempre assim!
    Blessed Be!!!

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    1. Minha namorada que escreveu esse conto, agradeço por ela pelo seu comentário <3

      BB.

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  5. Nossa que conto lindo, mas ao mesmo tempo triste, você escreve muito bem parabéns.

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    1. Minha namorada caprichou ao escrever e fez com muito carinho, que bom que gostou !

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  6. Espetacular! Não parei de ler, empolgadissima, até chegar ao fim!
    Continue escrevendo ;)
    Beijos

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    1. Obrigada, pode deixar logo teremos mais contos da maravilhosa Marii Valadão <3

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  7. Nossa! Que demais! Você escreve muito bem! Amei o conto.

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    1. Que bom que gostou Ka, mas foi a Marii Valadão que escreveu <3

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  8. Que conto mais lindo. ❤
    É de prender totalmente a atenção do leitor. Sem palavras. ❤

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  9. uauuu Que conto emocionante e envolvente... fazia tempo que não lia um conto tão bom como esse
    Parabéns pela escrita e continue escrevendo contos assim.
    Bjs e sucesso!
    www.pandapixels.com.br

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    1. Ei Dani, obrigada pelo elogio e espero que retorne para o próximo <3 Foi a Marii Valadão que escreveu ;)

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  10. Que emocionante!!! Gostei do começo do texto onde vc fala sobre destino, não sou de acreditar que ja temos um destino traçado, seria como se fossemos programados e não tivesse com mudar, transformar ou evoluir. Beijos

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  11. Ai que tudo,viajei na leitura
    Parabéns lindah

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  12. Não sou tão fã de ler, ate sou mais a correria do dia a dia.... Mais este conto me prendeu amei vou voltar muitas vezes aqui..

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  13. Conto super emocionante e intrigante, acredito que existam muitas "Julies" por aí e isso é muito triste!
    http://www.adoravelcloset.com/

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    1. Doi o coração na hora que paro para pensar sobre isso :/

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  14. Esse seu poder de envolver o leitor com seus contos é impressionante! Eu amei.. voltarei para outras visitas. Sucesso ❤

    Http://thaineadelaide.blogspot.com

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  15. Adorei, vi o cenário, ouvi toda a conversa... parabéns!!

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    1. Muito obrigada Sharon, a Marii Valadão manda muito bem mesmo ^.^

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  16. Oi flor, você escreve muito bem
    Consegue nos envolver no enredo e desejar por mais...uma pena um fim tão triste.
    Parabéns e muito sucesso com o blog e com seus contos 😉😉

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    1. Os contos são da Marii, nos duas agradecemos muito pelo carinho <3

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  17. Que conto lindo! Difícil parar de ler. Cada linha me deixava mais curiosa para saber mais sobre a vida de Julie com esse pai que tanto temia.

    Parabéns!

    www.sonhadamaternidade.com.br

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    1. A vida são feitas de tensões, ás vezes menores do que a do conto e ás vezes maiores <3 Obrigada pelo elogio !

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  18. Nossa, que relato! Quantas vezes as pessoas saem e entram na nossa vida, e tem umas que nunca mais retornam.. Já perdi muitas amizades assim, algumas agradeci por terem saído rs.. bjo

    www.pandapixels.com.br

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  19. Que conto mais lindo, emoção total.
    E a curiosidade sobre o final?
    Parabéns, você escreve muito bem..
    Grande beijo! ❤

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    1. Obrigada Vi! A Marii Valadão capricha em todos os contos ;)

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  20. Que conto mais lindo. Fiquei muito mal por ela ter morrido, isso não se faz menina rsrs.
    Parabéns, você escreve muito bem.
    Beijos
    Universo das Esmaltólatras por Opção / Facebook / Instagram

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    1. A Marii Valadão sempre traz uma surpresa nos contos dela haha

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  21. Que conto maravilhoso, te prende a leitura, amei <3

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  22. Gosto da Alex, gosto do conto. Alex poderia trabalhar com crianças órfãs.
    Gosto de tudo, até do pai de Julie. Se não fosse ele, não haveria Alex e Julie. Paz

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  23. Marii maravilhosa, sempre arrasando

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Anjo caído

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